Os melhores livros brasileiros da FSP
Alguns apontamentos sobre a lista dos melhores livros brasileiros segundo a Folha de São Paulo.
1) A própria ideia de literatura brasileira incomoda um pouco. Depois de toda problematização sobre os limites do nacional e como ele aponta um certo essencialismo, não deixa de se notar as variações que a Folha utiliza, muitas vezes como sinônimos: “livros brasileiros de literatura”, “literatura brasileira”, “autores e autoras brasileiras”, “ficção literária no Brasil”. Não é possível pensar em uma literatura publicada por cá, mas não sob essa égide do nacional, do estado-nação, etc?
2) A Companhia das Letras afirmou no seu Instagram o seguinte: “A seleção foi feita com a participação de 100 jurados, em sua maioria mulheres, com forte presença de vozes negras, indígenas e de regiões fora do eixo Rio-São Paulo, além de nomes internacionais.” Vejamos essa variedade: das pessoas que declararam filiação acadêmica, 19 têm trânsito pela Usp ou Unicamp e mais dois de São Paulo (pode ter mais, já que não fui dando lattes em todo mundo). Do Rio de Janeiro são 6; Minas Gerais, 3; Paraná 2; Santa Catarina, 1; Rio Grande do Sul, 2; Bahia, 3; Paraíba, 2; UnB, 2. Enfim, tem mais gente na USP e Unicamp do que em todas as outras universidades brasileiras juntas. Não tendo ninguém do Norte, no Centro-Oeste só na UnB. Nordeste inteiro tem menos do que no Rio de Janeiro. Até onde pesquisei, só tem um professor que dá aula no interior do Brasil, tirando Campinas. Isso, obviamente, não é nenhum demérito para os pesquisadores selecionados pela Folha, mas não é, de modo algum, uma lista diversa que daria minimamente conta do que é publicado no Brasil em editoras menores, com menos circulação, com alcance mais local do que nacional e que participa de outros círculos literários, com seus debates, preocupações, estéticas, etc. .
3) Ninguém parece achar escandaloso que 18, dos 25 livros selecionados, sejam de um mesmo grupo editorial, o Companhia das Letras. Se por um lado pode ser defendido o excelente trabalho editorial (o que é verdade), não deixa de se notar que esses livros têm um alcance muito maior, com distribuição muito mais intensa no Brasil, com uma força econômica que foi determinante para se chegar no topo dessa lista.
4) Nesse sentido, parafraseando Spivak, não dá para notar que essa lista é cúmplice dos poderes econômicos do país e da divisão do trabalho (inclusive o intelectual) que se dá no Brasil. O campo literário brasileiro replica, muitas vezes, um elitismo disfarçado de progressismo.
5) A gente poderia voltar à centralidade USP e Unicamp aqui e lembrar do Charles Cosac: “a USP não é o Brasil, ao menos não é o meu Brasil”.
6) Isso significa que 24 dos 25 livros foram publicados por editoras do eixo Rio-SP (a grande maioria SP), com exceção do Amora, da Natália Borges Polesso que foi, inicialmente, publicado pela Não-editora, no Rio Grande do Sul. Olhando por alto os outros livros citados, acredito que não muda muito mesmo com uma lista mais extensa.
7) Apesar que era mesmo esperado que a prosa tivesse muitos citados e a poesia um pouco menos, é chocante como o drama é completamente ignorado pelos “leitores vorazes” convidados pela Folha. Para citar só dois exemplos, Maré, do Marcio Abreu e Jacy, escrito por Iracema Macedo, Henrique Fontes e Pablo Capistrano mereceriam ao menos uma lembrança. Como um gênero inteiro pode ser completamente ignorado?
8) A grande maioria da prosa selecionada também se engendra pela velha composição início-meio-fim. Apesar de se colocar como muito engajada ela, muitas vezes, é também muito conservadora, tendo pouco espaço para a diversidade de usos de linguagens e outras soluções poéticas. Muito do que foi mais interessante publicado por aqui nos últimos 25 anos que ganhou abordagens teóricas com conceitos como literatura expandida, conceitual, pós-autônoma, híbrida, etc., é quase que completamente ignorado. Fico aqui com o trecho que a Cristina Rivera Garza coloca como provocação no México depois dos protestos de 2012:
9) A luta de editoras menores para alcançar de leitores é muito significativa. Mesmo que ganhe prêmios literários, não se alcança o mesmo número de leitores o que faz também com que uma lista dessa ignora publicações fundamentais, de circulação mais subterrânea e que não seja necessariamente enquadrada dentro de uma categoria “brasileira”. “Leitores vorazes”, busquem livros de várias editoras, principalmente das menores, por favor.
10) Voltando ao “brasileiro”, não deixa de ser curioso como esse “pensamento social brasileiro” parece ecoar nessas escolhas, com critérios que são ensinados e replicados pelos leitores.
11) Como escapar desse continente Brasil e pensar em outros arquipélagos literários, para lembrar o Glissant?
livros brasileiros do século (mas só cá entre nós, tá 🤝)
Lista bastante limitada. Esperava mais dos "especialistas". Publiquei recentemente uma sobre romances contemporâneos aqui no substack e acaba que está mais diversa e interessante. E eu sou um só.